sexta-feira, 14 de novembro de 2014

             ESCAVAÇÃO OU MINA DE PALAVRAS


Preciso voltar a ler
Manoel de Barros,
voltar a dar
valor ao quase nada.
Cada gole de palavras
e me embebedo
de infância.
Eu havia perdido
a minha terra,
mas ela ainda estava lá
com seu coqueiro único
balançando no quintal
ao sol frio de seis da tarde.
Minha pena vai mergulhar
nesse poço de memória
em busca de imagens, sons
e cheiros
vai varar essas coisas
até não ter mais fim...
a poesia escoa de lá
e vem vindo através
do vento...
às vezes eu a sinto
balançar aquele coqueiro,
brincar de fazer
eco em cima da serra,
descomtemplar as
nuvens rápidas
tons do fim do dia,
arroxeados, vermelháticos
amareláveis do entardecer,
olhar a quietude do mato ao longe
e as vacas, meu Deus...
a quietude delas é falsa
o ruminar ansioso
o olhar prepotente e manso...
eu colocava o dedo
nos seus olhos mortos
e úmidos, quando os
meninos já podiam se
aproximar do corpo tombado;
colocava a mão na quentura
dos músculos trêmulos,
sentia a camada fofa
de vento e sebo, entre

o couro e a carne.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

POEMAS CURTOS


MATURIDADE


Alma leve
feita a lição de casa
encerramento de ciclo



NATUREZA VIVA


Confusão noturna
rato na boca da gata
ciclo da vida


quinta-feira, 22 de maio de 2014

OUTRA PEQUENA COLETÂNEA DE HAICAIS


HAI CALADINHOS


melzinho de graça
no mourão da porteira
abelha jataí


crianças gargalhando
bocas cheias de farinha...
jatobá maduro


sol a pino
galinha arregala os olhos
cobra a vista


amanhece...restam
estrelas sobre folhas
frescor de orvalho


subida de morro
esbranquiçada visão
céu chegando ao chão


árvore rosa
reboliço beija-flor
tarde sertaneja


festa no brejo
línguas ligeiras captam 
insetos ao luar


(publicados no livro: "Poemas a Quatro Mãos", de Eliane Gouveia e Mena Vilela, Editora Gráfica Ituiutaba (EGIL), 2007)

segunda-feira, 12 de maio de 2014

RUSGAS E BROCADOS

Amor é manto
tecido a cada dia
bordados feitos à noite
 no escurinho
palavras doces, ao pé do ouvido.
Às vezes esgarça o tecido
aos solavancos e trovoadas;
compreensão e calma
para volta à tecitura;
enfeitá-lo de cores
fortes, alegres
outras beges e mornas.
Aconchego do manto
aquece noites frias
agasalha o sentimento
refugia o afeto.
Corpos nus, entregues
hora da lida,
do prazer

de tecer o amor.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

VÃ FILOSOFIA II


Minha vida não é
um trenzinho caipira
Vila Lobos
é um trem bala

teatro Nô japonês.
MELODIA EM DÓ

A tristeza é dissonante
a alegria é sustenida
sustentada
cultivada
pela música
que entra
nos músculos
nos nervos
nas entrelinhas

nas estrelinhas...

terça-feira, 29 de abril de 2014

PEQUENA COLETÂNEA DE HAICAIS


VIDA URBANA

A vida cor-de-rosa
sai pelos muros do condomínio
alameda de ipês.


PRAÇA

Ao lado do trânsito
o verde da praça abriga

beijos de namorados.


MANHÃ

Manhã gelada
só o avião no céu
recebe o sol.


OUTROS HAI CAIS

O sol vermelho
alinha-se no horizonte
amanhece o cerrado.


Sol poente
magia de cores acolhe
a prata da estrela


Beira de rio
tapete de lírios brancos
perfuma a viagem


Mesa posta
a celebração do chá
silencia o dia


Céu de inverno
oferenda de pétalas
ipê florido


Tarde de domingo
sonhos soltos pelo vento
meninos e pipas


Noite alta
olhinhos risonhos do neto
denunciam o tempo

sexta-feira, 25 de abril de 2014

ANATOMIA

Tenho um sertão
dentro de mim
que teima em vazar.
Tenho um coração
cambeta, que
tropica quando
insisto em correr
atrás de sustos e
emoções que a
vida me prega.
Tenho vísceras
torcidas pelo fel,
às vezes falta-me o ar.
O que entra
pela pele
poros cabeça
entranhas são
                                                     cheiros de manga,                                 
coaxar de sapos
estrelas nos vãos
das paredes,
som do berrante
insistente na dor
e saudade.

terça-feira, 15 de abril de 2014

VÃ POESIA

Palavras circulam
fogueiras
crepitam séculos
lapidam cristais
evocam melodias
alimentam pensamentos
motor do mundo
máquina de Drumond.
Palavras ventania
embalam o tempo
engendram amores
formulam políticas
alardeiam a liberdade
destroem políticos
trazem alento
             desvendam quase tudo.

domingo, 13 de abril de 2014

MATÉRIA

Olhos abertos
na madrugada
chumbo aço
pousados sobre
todos os músculos
brisa do mar
sopra nas narinas
moinhos de vento
iluminados ao sol
dos meus nervos
fibras tensas de amor
ares rarefeitos
de cidades
aridez amarela
do cerrado
aves no céu cálido
do amanhecer
rio reluzente
do mangue
a vida define seu curso

essa é minha carne.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

VÓRTICE OU REDEMOINHO DO AMOR


Sussurre ao meu
ouvido
arrepios de vento.
Me ame
na cordilheira
dos seus trapos.
Nosso amor
por aí,
pelas estradas,
na areia da praia
no aconchego
da calçada
à espera
à espreita
de um lar
de um rebento.
Me beije
nos elevadores
nos arrabaldes
das cidades.
Me prenda
no seu gozo
por um fio
por um laço
de afeto
trançado
em meus braços.
Arrebente aquelas
portas
que teimam
em trancafiar
meus temores.
Derreta-os com
sua língua
doce mel
na minha carne.
Deite-se sobre
meus escombros
renasça no meio
da noite
eu viro fênix
e vôo contigo...

quinta-feira, 10 de abril de 2014

ESSÊNCIA


Palavras escoam
da cabeça
passeiam pela
garganta
vão direto
ao coração.
O ar entra e sai, 
maestro e mediador.
De repente,
a menina do sonho,
aquela que voa sobre
a mangueira de sua
infância,
liberta-se do corpo mente
e vagueia
por este mundo
leve e solta...

O amor é reciclável.